Entrevista com Paulo Leminski Neto
Por Alex Brito
Há aquelas histórias que a gente ler nos livros de ficção ou que são daqueles livretos de romance que eram vendidos nas bancas de jornal nas década de 80 e 90 e que a gente sempre ficava pensando em como seriam se acontecesse na vida real. Após o advento desses livretos as novelas acabou tornando mais próximas essas histórias, é aquele velho ditado a arte imita a vida ou será o contrário?
Pois bem nessa edição vamos mais uma vez mexer em um vespeiro ou como diz aqui no nordeste, vamos cutucar a onça com vara curta. E nesse caso a onça é uma história ocultada e manipulada de diversas formas ao logo das décadas. No centro da história está talvez um dos maiores símbolos de uma poesia popular, rebelde e ao mesmo tempo erudita, o grande poeta Paulo Leminski.
Em meados dos anos 2000, a biografia de Leminski intitulada “O bandido que sabia latim”, biografia essa planejada e construída pelo jornalista Toninho Vaz. Esse livro poderia ser apenas mais uma biografia de um grande artista senão fosse por uma página, onde consta uma imagem de uma certidão de nascimento onde o então poeta Paulo Leminski e sua esposa na época a Neiva, registram uma criança com o nome de Paulo Leminski Neto, trazendo-o à tradição de homenagear o pai do poeta. Bem, como disse antes, poderia ser apenas mais uma biografia, mas essa página assim como a historia em si, caiu como uma bomba no colo de algumas pessoas, pois até então não se tinha notícias dessa criança.
Hoje a Revista Aorta tem o privilégio e a honra de trazer às suas páginas um dos grandes personagens dessa mirabolante história de suspense, de poesia, de drama mas também de superação. Convidamos para contar um pouco mais sobre e também falar de sua própria trajetória o grande músico, estudioso e por que não dizer a pessoa que mais se parece em vários aspectos e não só fisicamente com aquele poeta “cachorro louco” que era o Paulo.


Queridos leitores dessa revista que pulsa, abram alas, as cortinas, os corações e suas almas para essa entrevista curta, mas muito enriquecedora com o Kiko/Luciano/menino ou simplesmente Paulo Leminski Neto.
1- Boa tarde Paulo, tudo bem? Primeiro é um prazer enorme ter você aqui na revista aorta. Seja bem-vindo! Mas é impossível não atentar para seu nome e para seu rosto que é muito familiar. Quem é Paulo Leminski Neto?
Eu sou um músico profissional com 40 anos de atividades com projetos e álbuns lançados desde as décadas de 80 e 90, o que me levou dos mais precários aos melhores ambientes de espetáculo que eu poderia sonhar.
Sigo hoje em dia com a mesma determinação desde o meu despertar, sempre antenado, pois tenho a propriedade de identificar os signos e os conceitos próprios de qualquer expressão musical.
Sendo um explorador contumaz das mais diversas propostas estéticas e musicais, meu objetivo é continuar a captar e vivenciar as mensagens e os mistérios das subculturas do universo pop. Não há nada de pretensioso ou messiânico nisso, minha motivação é o lúdico, a mais pura e plena diversão.
2- Qual a sua relação com a literatura? Você é músico, como essas duas vertentes artísticas conversam entre si?
Sou um apreciador da literatura desde a infância. Me tornei músico aos 15 anos e o livro “Caprichos e Relaxos” me provocou em 1984 um manancial de idéias e possibilidades, praticamente definiu o meu imaginário de letrista dando sentido a minha verve de compositor, some-se a isso a poesia do TS Elliot, autor no qual o tradutor para o português foi o saudoso poeta e imortal da ABL Ivan Junqueira, meu vizinho de apartamento de quem ganhei o livro de presente. As obras A Odisseia de Homero, os Lusíadas de Camões e O Inferno de Dante foram componentes que na época assimilei e compreendi como um fluxo épico de narrativas superdimensionadas. Logo conheci o trabalho de Jack Kerouack, um aventureiro da era moderna e seus registros aguçaram a minha percepção sobre o furtivo sentido das coisas, temos algo maior a ser vivenciado na existência e não apenas uma vida explicada por regras sociais e estatutos das agendas que tolhem o pensamento e nos condicionam na mediocridade. Também sou muito fã do Alvares de Azevedo.
A vida toda estive envolvido com música, o rock tornou se um oráculo, a pedra fundamental dos meus propósitos. Sou um dos pioneiros do heavy metal brasileiro, sempre gostei de punk rock e sons underground em geral aonde a criatividade está latente até hoje. A música negra, o soul, o funk e o rap também fazem parte dessa minha atividade linguística, falo assim pois a música é uma linguagem. Sempre rejeitei o superficial buscando a essência dessas expressões.
O rock e a literatura sempre estiveram juntos, isso começou com o Bob Dylan em meados dos anos 60 e a partir disso, o rock assumiu uma consciência mais complexa com uma real sensibilidade humana. O Bob Dylan acenou com a possibilidade de uma abordagem temática sem limites, o que abriu as portas para cantores e letristas como Jim Morrison e Lou Reed. Existem diversos exemplos da influência literária na música popular brasileira. Temos o Caetano Veloso, Gilberto Gil, Jards Macalé, Walter Franco, Raul Seixas, Sérgio Sampaio e Zé Ramalho pra citar alguns expoentes dessa experiência. No heavy metal, a banda Iron Maiden sempre apresentou um grande refinamento em seus temas líricos com a influência de escritores medievais e narrativas baseadas no poeta Samuel Taylor. Jr Tolken, Charles Dickens, Byron e Edgar Alan Poe são uma unanimidade entre as bandas de hard e de rock progressivo que surgiram a partir dos anos 70 como o Led Zeppelin e o Genesis. O Metallica em sua fase mais criativa durante os anos 80, tinha muita influência do HP Lovecraft em seus temas. O punk rock na Inglaterra trouxe uma mudança radical de propostas musicais e performática em 1977 com influências de movimentos originais de arte de vanguarda como o letrismo, situacionismo e o dadaísmo. Mike Patton do Faith no More é formado em literatura, o que explica as suas letras com camadas enigmáticas e Sting do The Police foi professor de literatura e gramática. As letras do The Police são bem engenhosas e profundas.
Eu considero que o heavy metal e o rap estimulam até hoje o despertar de jovens para a literatura. Então, voltando ao princípio dessa conversa, o rock e a literatura estão relacionados desde meados dos anos 60.
3- O Paulo Leminski é considerado um dos maiores nomes de uma época histórica para a poesia brasileira, que foi o movimento da poesia marginal. Como é para você, olhar para traz e ver toda essa importância?
O movimento de poesia marginal de mimeógrafo marcou a cena artística do Rio de Janeiro durante os anos 70 com poetas como Chacal, Ana Cristina César, Bráulio Tavares, Bernardo Vilhena, entre outros. A cena de poesia marginal assumiu sua urgência como reação a uma época repressiva com publicações de feitura artesanal e o Paulo Leminski apesar de se situar nessa geração e mesmo com uma postura marginal, ele desde o início de sua trajetória, visou o suporte das editoras.
4- Nos conta um pouco dos seus projetos, de como você vê o mercado literário e artístico como um todo, nos dias de hoje.
Meu projeto musical atual é um trabalho solo indie de stoner rock e psicodelia brazuca underground setentista no qual eu canto e toco guitarra. Minha banda nacional predileta dessa época especial e quase obscura na qual a maioria só conhece Mutantes, Rita Lee e Raul Seixas é o Módulo 1000. No ano passado gravei uma versão e um vídeo de “Dor Elegante” com a banda carioca Salvadores Dali que está acessível no Youtube.
Tenho uma parceria de composição com a minha mulher Claudia Tonelli que é artista plástica, ilustradora, prosista, poeta e letrista. Vou gravar um álbum com as composições do meu pai e lançar uma autobiografia cuja elaboração está em andamento. Pretendo falar sobre a minha trajetória na música e sobre as minhas origens.
Sobre o mundo artístico, eu que venho de uma era sem internet, ainda valorizo o tempo que não temos mais hoje em dia, a possibilidade de revisitarmos o passado com a web me tornou um saudosista do futuro. A relação com o direito autoral se tornou mais complexa. Sobre o mercado editorial eu vejo que tem diversas editoras alternativas e bem dinâmicas com produtos literários direcionados para públicos específicos. Essa era digital horizontalizou todas as relações, vem eliminando intermediários e está gerando um espaço de públicos bem segmentados.
5- A Revista Aorta tem se destacado por colocar em suas páginas autores consagrados como Antônio Torres e Cida Pedrosa mas também de fazer essa ponte com autores independentes. Qual a importância desse movimento para você?
Eu acho válida essa mistura de escritores e poetas célebres com autores alternativos e despontantes pois enriquece e impulsiona a cena. É assim que tem de ser.
6 – É impossível ler sobre sua história e não querer fazer essa pergunta (não precisa responder se não se sentir à vontade), como foi descobrir que é filho do grande Paulo Leminski?
Eu descobri no ano de 2000 durante a feitura e produção da biografia de Paulo Leminski, O Bandido Que Sabia Latim, o autor me procurou e falou dessa situação. A princípio, essa história foi uma revelação incrível e absurda, pois eu fui descobrindo que muita gente sabia da minha verdadeira origem. Eu percebo o constrangimento de quem compactuou com esse silêncio, por outro lado, o cinismo não tem limites pois a cara de alguns nem arde. Minha indignação vem misturada com a sensação de que essa descoberta me deixou mais forte e convicto dos meus ideais, antes tarde do que nunca. Estou me posicionando seriamente por meus direitos e um reconhecimento histórico. Já estou legitimado aos olhos da lei, fui registrado por ele em 1968.
7 – E para finalizar nossa conversa, para você qual a importância de mecanismos de incentivo à literatura, como a revista aorta?
Toda prática necessita de estímulos e informação. Sendo esses incentivos bem direcionados para o público, então é possível captar a atenção de iniciantes e iniciados na literatura. Parabéns pela revista. Vida longa e próspera. Espero que chova bem na sua aorta. Tudo que é bem plantado pulsa e brota. Sei que é um trabalho feito com coração e de grande relevância sócio cultural.