Por Joana Pereira
Nasceu nas águas do Índico, onde o arco-íris sobrevoa os olhares da gente e as águas tépidas calçam os passos dos sonhadores ambulantes – Moçambique. Licenciado em Ensino de Biologia e formado em Ensino de Inglês, vive há 11 anos na Rússia, onde é professor de artes cênicas, línguas estrangeiras e tradutor juramentado. Para além das antologias infantis publicadas em russo, escritas por crianças russas para russos, desenvolve vários projetos sociais infantis, ligados ao empoderamento e orientação profissional de crianças, estimulação da arte e escrita. Vencedor consecutivo do Prêmio literário “Buriti” na categoria de contos, tem publicados os livros – “Marlena – das entrelinhas do desencontro” e “Abecedário Empreendedor” (disponíveis na Amazon).
O que te levou a ir para um país tão antagônico a tua terra Natal?
Em Moçambique dirigi o departamento de Biologia na Universidade Pedagógica e, por conta da minha paixão pela poesia, criei um jornal – NABinfo (Núcleo dos amantes de biologia). Nesse jornal publicava poesia, curiosidades de biologia e simples explicações sobre o que acontecia na sociedade. Havia uma página destinada a um convidado especial, normalmente alguém importante na cidade, e nós, jovens atrevidos, convidávamos o reitor ou o governador. Fazíamos perguntas muito contundentes, não tínhamos medo de nada! Começou-se a criar uma corrente e a despertar muitos jovens para as questões da corrupção. Então, no dia a seguir à entrevista do governador, recebi um convite para continuar os meus estudos na Rússia. Consegui o meu visto em dois dias, algo inédito! O que me leva a pensar que me quiseram afastar do movimento de estudantes criado através do jornal, que começou a incomodar quem tinha interesses políticos.
“Marlena” é um livro sobre o quê ou sobre quem?
É uma coletânea de poesias e contos, quase como um mini romance. Quando o decidi publicar tive diferentes opções de título, porém, nessa altura, nasceu a minha filha Marlena, e assim ficou o título do meu primeiro livro. Marlena, nasceu numa altura muito difícil da minha vida, fui ao tribunal quatro vezes consecutivas, por problemas de imigração. Há pessoas que não gostam muito de imigrantes, então dificultaram-me a vida nesse sentido. Estava a ser acusado, sem saber falar russo e sem perceber o que se estava a passar, com uma filha prestes a nascer.
Tendo um livro infantil publicado, como é escrever para crianças? Que diferenças notas no tipo de escrita que desenvolves?
Depois de todos os meus sonhos realizados na área da literatura, entendi que devia dar o meu contributo à Rússia, com uma visão de alguém que nasceu noutra parte do mundo. Então, quis dar a oportunidade às crianças de se revelarem enquanto escritores. O meu livro infantil é, na verdade, uma antologia de autores que são crianças russas para russos.
A escrita infantil, a meu ver, é mais difícil. Exige um “retrocesso”, vestir novamente a roupa de criança e saber ler-lhes o pensamento. Só pode escrever para crianças quem teve realmente uma infância, quem vive com crianças. Para mim, escrever um romance para adulto, enquanto adulto, é mais lógico, tenho acesso às minhas experiências cotidianas e torna-se mais fácil. Escrever qualquer coisa com linguagem infantil é simples, mas escrever algo que possa ser lido por crianças, mergulhar no mundo delas, é bastante diferente.
Os teus livros foram publicados por editoras Russas? Que dificuldades tiveste?
Os meus livros escritos em português foram pulicados por editoras brasileiras. Já os livros que escrevo com as crianças russas, a editora… sou eu. Eu imprimo, registo o ISBN e direitos autorais, faço o registo na câmara russa. A equipe sou eu, respondo pela parte jurídica, impressão, design, redação, por tudo, na verdade.
Dificuldades? Tenho muitas! Publicar livros no estrangeiro, torna-se difícil. Não posso promovê-lo, nem realizar campanhas de incentivo a sua compra. O livro está lá, mas o autor não! Claro que é difícil vender livros e ganhar muito dinheiro com eles, eu faço-o porque gosto. Invisto, mas não espero ficar rico! Também é complicado pagar taxas de publicação ao exterior, a Rússia é um país muito fechado, não sai nem entra dinheiro, é um problema!
Quanto à publicação aqui na Rússia é mais árdua ainda. Para arranjar patrocínios para a impressão eu mendigo, peço apoio a várias empresas, explico as minhas intenções e a importância das crianças escreverem livros, de os lerem, os ensinamentos que criam neles. Insisto e sempre consigo, apesar das dificuldades. É sempre difícil convidar quem queira tomar parte do projeto. As pessoas afastam-se e acham que escrever é para seres de “sangue azul”. Esquecem-se que a escrita é como qualquer outra arte, pode ser ensinada e treinada.
Fala-se que, na Rússia, se vive um regime autoritário. Sentes isso? Enquanto escritor, empreendedor e professor, alguma vez te sentiste oprimido ou até censurado?
Sim, sinto isso. Mas eu sou louco e arco com as consequências. Todas as vezes que vou à televisão e falo tudo o que penso e como penso, cortam! Porque aqui as pessoas têm de falar o que os outros querem ouvir, então, têm medo de contradizer os seus “superiores”.
No entanto, nunca me senti oprimido, talvez devido à natureza da profissão que desempenho. Apesar da Rússia ser um país racista, sou um professor respeitado! Tenho muitos conhecimentos aqui e estou sempre disposto a negociar. O facto de participar em vários projetos sociais, aparecer na televisão, também ajuda. Eu não tenho nenhum vínculo político, não falo de política, falo de arte, falo de coisas boas, que dão horizonte às crianças. Então, normalmente, as pessoas estão-me agradecidas, dão-me a mão nos meus projetos e reconhecem que aquilo que faço é a minha luta e sabem que não tenho benefícios financeiros.
É conhecido o estado de guerra entre a Rússia e a Ucrânia espalhada nas televisões por todo o mundo. O que mudou na tua vida desde então?
Vou dizer apenas que mudou tudo e muito. Não só para mim, mas para todos os que estão deste lado. Não gostaria de comentar muito.
Marcos André nasceu em Moçambique, vive há 11 anos na Rússia, onde é
professor de artes cênicas, línguas estrangeiras e tradutor juramentado. Para
além dos seus livros e antologias infantis escritas por crianças russas
publicados, desenvolve vários projetos sociais infantis, ligados ao
empoderamento e orientação profissional de crianças, estimulação da arte e
escrita.
Contatos:@marcos_andre_escritor / @moy_pushistyy_drug

