Desabafo (devaneios) de uma poetisa que escreve erotismos

Por Prida

Vergonha. Medo. Julgamentos. Proibido. Esconder. São alguns termos que pairam sobre aqueles que se debruçam sobre o escrever o erótico, principalmente quando levam uma vida comum, numa cidade comum, onde todos os sensos comuns se igualam e o erotismo vira tabu, algo complicado, ou deveras proibido de ser lido, mostrado, apreciado. Por curiosidade, se parar a pesquisar em algum momento ‘literatura erótica’ no site de busca mais famoso do mundo, a palavra pecado se apresenta coadjuvante na mesma frase e praticamente no topo da pesquisa. Interessante que essa é a sensação muitas vezes de escrever o erótico, já que não pode ser mostrado em todos os lugares comuns na literatura, já que fica à margem, como se não devesse ser vista.

O sexo, material de quem escreve literatura erótica, é muito subjetivo em texto, tal qual é na cama (ou em outros locais, varia de gosto). Sem apelos à pornografia, não é essa a intenção. Pois no erotismo é necessário o vínculo, mais apelativo ao amor, carnal, mas ao amor. Não há uma definição, forma, preconceito, barreiras. Pode-se tudo, o sentir é o que importa. E o frenesi e a excitação chegam a arder os poros e latejar na mente, e não há como se desvencilhar, porque simplesmente, na maior parte das vezes, esse tipo de escrita nos invade, como quem bate à porta da casa apenas para constar a delicadeza de se fazer notável, mas adentra sem pedir licença e se prosta aos sentidos querendo e clamando para ser escrita. Não é uma escolha, é um chamado. Dito isso, torna-se desnecessário pairar a pergunta do motivo pelo qual produz-se essa literatura. Dámaso Alonso (1898 – 1990) estava certíssimo quando afirmou que a literatura erótica é possível do mesmo modo que às imundícies são necessárias à Medicina, se os médicos as negassem os avanços não seriam possíveis.  

Mas, na contramão do supracitado, mesmo sem formas, preconceitos e barreiras para quem escreve, encontramos a barreira do quem lê. Depois de posta em escrita, de se tornar registrada e viva, de ter seu nome, o endereço torna-se, na maioria dos casos, uma gaveta, uma pasta no computador, um e-mail. Principalmente se o escritor for alguém já dito: comum. Os que conseguem superar essa barreira e ter livros, por vezes, escrevem sob pseudônimos, e, ainda, se tomam as rédeas e se revelam, produzem seus escritos para serem postos em locais estratégicos em livrarias, para não assustar à massa. E novamente, velada, a literatura erótica toma o seu lugar de margem; proibida, escondida.

Os filmes, trilogias, seriados estão nos fazendo alguns favores ultimamente em evidenciar o erótico como temática sem tabus, com focos diferentes e tornando àquele lugar ao sol menos disputado. Um deleite, um afago, um caminho. E, este caminho não foi aberto agora. Na história o caminho é longo e versado em diversos tipos de textos e para diversos públicos, mesmo que estes públicos nem sempre tenham tido a oportunidade de ler tais versos e se ruborizado por vezes.

Desde o Império Romano, em Satíricon, de Petronius Arbiter, essa literatura brota e se esconde dos olhos de censura. Em 1353, Boccaccio nos presenteia com Decamerão e o desenrolar é imenso e as críticas ainda em maior proporção. Mas, não quero trazer o longe aqui, o antigo e distante geograficamente, pois no nosso país há fortes nomes, como Gregório de Matos (1636 – 1696) tido por pioneiro para muitos, que teve o veto de censura derrubado apenas na década de 60. 

Um dos livros mais famosos do nosso tempo é uma antologia, reunida por uma pesquisadora de literatura erótica na Universidade de São Paulo (USP), Eliane Robert Moraes, que produziu o livro com mais de duzentos poemas escritos nos últimos quatro séculos, por personalidades, como Hilda Hilst, Casimiro de Abreu, Cruz e Souza, Gonçalves Dias, dentre outros. Para ela, urgia a compilação de tais escritos, para dar luz à uma lírica desse cunho e mostrar a riqueza e representatividade desta no Brasil.

O salutar é a ênfase da literatura erótica enquanto arte, não enquanto pecado ou pornografia escrita, afinal, a estética é uma promotora ousada nesse julgamento e não abre precedentes para as pudicas defesas de que não se trata de um trunfo artístico, embora ainda conservadores, como diz Antonio Carlos Viana, escritor sergipano e autor de vários livros, dentre eles “Jeito de matar lagartas” (2015).

Feito e contextualizado o desabafo, fica o convite a pensar em que lugar colocamos o sexo nos nossos dias. De que forma é passado de geração em geração. Em qual momento será tratado como tema comum e necessário em lares de forma serena, sem ser o vilão. Pois continuar contribuindo para um velar desse tema promove a curiosidade, aguça impulsos que nem sempre são saudáveis e poderiam ser evitados se o sexo fosse conversado. E, para além dessa reflexão, fica a o convite para que essa literatura saia das sombras e torne à luz. E possa ser apreciada, sem gerar medo para quem escreve de parecer impuro diante de olhos que leem. 

A literatura erótica quer ser lida. Quer ser chamada para jantar, quer ser olhada nos olhos, quer ser tocada, permitir-se sentir o perfume e ainda sorri, como quem aceitou o convite para acordar cansada na manhã seguinte, com batom borrado e cabelo em desalinho, embora completamente plena e cônscia da noite tórrida, com cheiro de suor, calor e todo tipo de fluido humano possível. O cansaço no corpo de uma maratona, o sorriso nos lábios de quem ouviu a mais sublime canção, o relaxamento de quem mergulhou numa praia numa manhã de verão, a certeza do gozo de um ponto final. 

2 respostas

  1. Nossa!!!!!! Texto maravilhoso. A importância de trazer Giovanni Boccacio, internacionalizando este texto, dentre outros autores citados é de extrema grandeza humanística. O verdadeiro renascimento literário exposto a abrir caminhos quanto aos tabus atuais do erotismo.
    Parabéns a autora!!!!!!!

    1. Que comentário maravilhoso! A autora é igualmente incrível mesmo! Sim, vamos falar mais sobre isso, é imprescindível.

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