Por Olga Pessoa

Em Mukunã: do fio à raiz, o cabelo se transforma em metáfora viva, fio que liga corpo e ancestralidade, raiz que sustenta memória e identidade.
No solo que protagoniza e idealiza, Vika Menezes, atriz, pesquisadora e arte-educadora, convida o público a atravessar territórios de dor, beleza e reconexão.
A obra, que completa um ano em cartaz, vem sendo celebrada como uma das produções mais potentes da cena teatral baiana, e agora rende a Vika uma indicação ao Prêmio Bahia Aplaude 2025, reconhecimento que consagra a originalidade de sua pesquisa estética e a força de sua presença cênica.
Conversamos com a artista sobre corpo, ancestralidade e resistência, fios que tecem o universo poético de Mukunã.
Olga Pessoa: Em Mukunã, o cabelo é o centro da narrativa, o elo entre corpo, ancestralidade e estética negra. Como foi transformar sua experiência pessoal nesse espetáculo de forma tão poética?
Vika Mennezes: Quando pensamos no espetáculo, o dramaturgo me perguntou: “Vika, a gente vai falar da sua história ou criar histórias?”
A nossa história tem partes que não queremos compartilhar. Então chegamos a um meio-termo: alguns trechos realmente vivi , como o episódio do espelho da professora aos seis anos, e outras histórias vieram da nossa comunidade.
Fazer Mukunã com esse nível de poesia só foi possível graças a profissionais incríveis, amigos talentosíssimos que transformaram meus sonhos e ideias em arte. O espetáculo nasceu do desejo de realizar um solo que tocasse o coração das pessoas e provocasse transformação.
“A gente está falando de cabelo, mas não é só sobre cabelo.
É sobre existir, ter coragem e autoamor. Mukunã é um manifesto de liberdade.”
Olga Pessoa: Você foi indicada ao Prêmio Bahia Aplaude 2025. O que espera desse reconhecimento?
Vika: Essa visibilidade abriu portas que eu já tinha batido antes. É uma grande vitrine e um fôlego.
Ser artista independente em Salvador é árduo. Quando soube da indicação, estava na moto, na chuva, indo trabalhar. Recebi tantas mensagens dizendo: “Você foi indicada!”
Não fui só eu: os músicos do espetáculo também foram indicados. Celebramos muito.
Percebo que essas portas têm se aberto e é uma parte importante do nosso trabalho, um movimento feliz, um reconhecimento que confirma que vale a pena colocar o corpo no mundo.
Olga Pessoa: O que espera que Mukunã plante no coração de quem assiste?
Vika: A estreia foi no Espaço Cultural Alagados, no bairro do Uruguai, um lugar que amo e onde fiz voluntariado por anos.
Aconteceu uma situação que define muito o que eu espero. Quando o espetáculo termina, eu sempre faço um bate-papo, porque faz sentido ouvir o público. Preciso desse retorno para saber se o que estou fazendo continua valendo a pena.
Uma vez, uma menininha de nove anos, Vanessa, que não aceitava seu cabelo, foi trazida pela avó. Ao fim do espetáculo, a avó pediu o microfone e disse:
“Olha, eu trouxe a Vanessa porque ela não está aceitando o black dela. Eu não sei mais o que fazer, mas vi que era sobre black, então trouxe a Vanessa.”
Vanessa, segurando uma bonequinha preta de black, disse:
“Eu não gostava do meu cabelo, mas agora eu gosto do meu cabelo.”
Quando ela disse isso, todo mundo começou a chorar. Eu senti uma explosão de amor dentro do meu coração. Uma pessoa que se permite ter essa paz, esse amor próprio, é exatamente onde eu queria chegar.
“Esse é o meu objetivo: transformar a nossa autoimagem. O que pensamos sobre nós mesmas muitas vezes é silencioso, mas tem muita força e poder.
Mukunã é para chegar direto ao coração, para enraizar amor.”
Olga Pessoa: A cena baiana tem forte tradição de teatro negro. Qual o papel de Mukunã nesse contexto?
Vika: Mukunã traz uma perspectiva específica: falar sobre cabelo. Nunca tinha visto um espetáculo que tratasse dessa narrativa de maneira tão direta.
Quanto mais trabalhos abordarem a estética negra dentro das particularidades de cada artista, mais fortalecida será a coletividade.
Fazer teatro é ativismo. É mexer com as estruturas, ser porta-voz do nosso tempo.
Hoje, discutir estética negra é discutir liberdade de existir e reconhecer o legado ancestral que vem de África e dos povos originários.
“Quanto mais nos apossamos de quem somos, mais fortes ficamos para inspirar uns aos outros.”
Mukunã: do fio à raiz não é apenas um espetáculo; é gesto de coragem, ato de reivindicação e convite ao autoamor.
Ao falar de cabelo, ele fala de existência, ancestralidade e liberdade.
É arte que floresce do fio à raiz e que continua crescendo dentro de quem assiste.
Que cada pessoa saia da plateia sentindo que suas próprias raízes são potência. Que recorde sua história, que sinta orgulho de quem é e de onde veio. Que cada fio carregue coragem, memória e a liberdade de existir plenamente.
🎶 Ficha Técnica
Mukunã do fio à raiz
Direção e atuação: Vika Mennezes
Dramaturgia: Filêmon Cafezeiro
Composição musical e músicos em cena: Filêmon Cafezeiro e Liz Novais
Criação e concepção: Vika Mennezes
Temporada atual: Sextas (19h) e Sábados (17h)
Datas: Até 18 de outubro
Ingressos: R$ 30 / R$ 15
Local: Teatro Gamboa Nova → Rua Gamboa de Cima, n° 3 – Lg. dos Aflitos
Last modified: 15/10/2025





















