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A Força da palavra: Literatura Yorùbá, Ìtàn e a memória Ancestral de Ògún

Por Luccas Rocha – Ifáọdẹladé

Em tempos de velocidade e esquecimento, falar sobre literatura Yorùbá é evocar uma sabedoria antiga que resiste ao tempo: o poder da palavra, da oralidade, da tradição que se inscreve na alma antes de se inscrever no papel. A cultura Yorùbá, presente em muitos territórios do continente africano e perpetuada com resistência nas Américas através do culto aos Òrìṣà, é uma das mais ricas expressões de conhecimento oral que o mundo já conheceu.

No coração dessa tradição estão os Ìtàn, narrativas sagradas que contam a origem do mundo, dos Òrìṣà, das relações humanas, das cidades e das encruzilhadas da existência. Os Ìtàn não são apenas “lendas”, como muitos os chamam; são mapas espirituais e éticos, estruturas vivas de conhecimento que moldam o modo de viver, decidir, se relacionar e caminhar no mundo.

Manter essas histórias vivas é manter viva a própria cultura. E quem sustenta essa oralidade sagrada são os anciões, os mais velhos, os que carregam no corpo e na palavra os caminhos do tempo. Escutar um mais velho contar um Ìtàn é como beber da fonte. É através deles que sabemos quem somos, de onde viemos e como podemos nos orientar diante das encruzilhadas da vida.

Como iniciado de Ògún, reconheço nesse Òrìṣà o símbolo maior da construção, da transformação e da sabedoria ancestral que atravessa o tempo e o espaço. Ògún é o senhor da tecnologia, do ferro, das estradas, mas também do conhecimento profundo, da memória que se perpetua através da ação. Em cada ferramenta, há um segredo. Em cada caminho aberto por Ògún, uma história guardada. Por isso, manter viva a cultura oral é também manter viva a força de Ògún, ele que abre caminhos, também abre memórias.

A literatura yorùbá, com seus cânticos, provérbios, Oríkì e Ìtàn, é um legado vivo. Ela pulsa em cada roda de conversa, em cada Àdúrà proferido em Yorùbá, em cada gesto de reverência ao mais velho. Diferente de uma literatura escrita e fixada em livros, a tradição Yorùbá é uma literatura que se atualiza na fala, que depende da relação entre quem ensina e quem escuta. É uma literatura relacional, comunitária e ancestral.

Por isso, em tempos de redes digitais e palavras rasas, preservar os Ìtàn e a cultura oral Yorùbá é um ato de resistência, mas também de cura. É afirmar que a nossa história não começou com a colonização, mas sim com Òrìṣà, com os saberes milenares de Ifá, com as vozes que atravessaram oceanos para continuar ecoando.

Que possamos escutar mais os nossos mais velhos. Que possamos escrever, sim, mas sem esquecer que a verdadeira literatura começa com a escuta. Que possamos contar e recontar nossos Ìtàn com a responsabilidade de quem carrega um fogo ancestral, o fogo de Ògún, que nunca se apaga.

Sobre o autor

Me chamo Luccas Rocha, nascido em Parnamirim-RN. Fui iniciado no Candomblé aos 15 anos para o Òrìṣà Ògún (Ògún ojú ayò). Foi trilhando esse caminho espiritual que alcancei as bases do culto tradicional Yorùbá, onde me reencontrei com minha ancestralidade de forma profunda. Dentro do culto, recebi os nomes, Ifáọdẹladé, Akinkùnlé e Èṣùṣola, nomes que ecoam responsabilidades, caminhos e pertencimento. Hoje, sigo honrando cada passo dado por meus ancestrais, fortalecendo a cultura dos Òrìṣà e compartilhando os saberes que recebo com reverência e compromisso.

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Last modified: 10/04/2025

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