por Alex Brito

Na terça-feira, 18 de outubro de 2025, o Rio de Janeiro registrou o que já é considerada a maior chacina da sua história recente: uma megaoperação das forças policiais nas comunidades da Zona Norte resultou em mais de 64 mortos, dezenas de feridos, e deixou um saldo de pânico, luto e silêncio institucional. Escolas foram fechadas, aulas foram suspensas, moradores ficaram presos dentro de casa sob tiros, helicópteros e a constante ameaça da morte. Mais uma vez, a cidade assistiu ao massacre de sua própria população mais vulnerável. E o país assistiu. Mudo.
Mas nós, da Revista Aorta, não temos como calar.
A quem serve essa política do medo? A quem interessa que a resposta do Estado seja sempre a bala e quase nunca a educação, a saúde, a cultura, a presença cidadã?
Essa operação, como tantas outras, transforma a vida do povo preto e pobre em estatística. Transforma as vielas em campos de batalha. Transforma a favela em inimiga. E tudo isso sob o falso pretexto de “combate ao crime organizado” um discurso que, há décadas, não reduz a violência, mas a multiplica, deixando um rastro de traumas que a história não esquece, mas o poder tenta apagar.
Especialistas em segurança pública têm alertado: esse modelo militarizado de enfrentamento é falido. Serve apenas para reforçar o controle territorial, justificar gastos milionários, e alimentar o imaginário social de que matar é uma forma eficaz de governar.
Enquanto isso, quando o alvo é outro como na recente operação da Faria Lima, envolvendo corrupção e tráfico de influência nas zonas mais ricas do país não há tiros, não há helicópteros, não há tanques, nem imagens de corpos ensanguentados estampando os jornais.
A repressão é seletiva, o tratamento é desigual e a política é clara.
Os verdadeiros chefes do crime não estão na favela. Estão nos escritórios climatizados, nas reuniões a portas fechadas, nas mãos de quem ainda governa com a caneta e com o desprezo. Os que pagam com a vida são os mesmos de sempre: negros, jovens, periféricos. E agora, seus nomes somam-se a uma lista de mortos que segue crescendo, enquanto o país se cala ou aplaude.
A Aorta não aplaude.
A Aorta não se cala.
A Aorta denuncia.
Denuncia a política da chacina, da omissão e da covardia travestida de segurança.
O Estado que entra na favela com fuzil, mas nunca com livro, não é protetor: é invasor. O Estado que silencia a cultura, desmonta bibliotecas, destrói projetos sociais e investe bilhões em operações de guerra não está combatendo o crime está gerando mais violência.
Queremos outro caminho. Queremos um Brasil onde a segurança pública seja sinônimo de presença do Estado com dignidade, e não com medo. Onde haja investimento real em educação, leitura, saúde, cultura e literatura como políticas de base. Onde o povo não precise mais se perguntar: “será que eu volto pra casa hoje?”.
A quem serve essa política? Certamente não ao povo e certamente não à democracia.
Quantos mais precisarão morrer para que esse país entenda que a vida vale mais do que o discurso fácil da força bruta?
Quando veremos operações nos bairros da elite, nos bastidores da grilagem, nos corredores do agronegócio que destrói e mata silenciosamente?
Quando a justiça deixará de ser seletiva e passará a ser, enfim, justiça para todos?
Até lá, a Revista Aorta segue com a palavra viva, aberta e pulsante.
Porque se a violência é sistêmica, a arte será resistência.
E enquanto houver silêncio, nós escreveremos.
Last modified: 29/10/2025













