Written by 13:47 CRÔNICA

Achismos de Domingo

Crônicas semanais por Emerson Leandro Silva

ANTES DO AMOR SEU, VEM SEU AMOR

Nossa busca por afeto é ancestral. A verdade contida nesta frase serviu para moldar todo o nosso imaginário coletivo a respeito do amor, expressão máxima do afeto validada por nossa sociedade. O grande problema que essa lógica omite é que o afeto, seja em que intensidade se apresente, não é, quase nunca, resultado de um encontro aleatório orquestrado por forças do universo, Deus ou o acaso.

Ele é uma construção feita de pequenas decisões diárias que, somadas, o fazem florescer.

A visão hollywoodiana dos relacionamentos não é uma lógica vil que deve ser evitada como se fosse uma doença crônica, mas também não é a transcrição da realidade nem um guia que, se seguido à risca, te fará alcançar a plenitude. O que vemos nas telas e na arte, de um modo geral, é uma massagem do ego, uma fonte de ampliação da nossa imaginação — e só.

Um dos estudos mais longos sobre felicidade e bem-estar, o Harvard Study of Adult Development, iniciado em 1938 e que acompanhou centenas de pessoas por décadas, descobriu que a qualidade dos relacionamentos é o fator mais determinante para uma vida feliz e saudável — mais do que dinheiro, fama ou até mesmo genética. Pessoas que mantiveram laços fortes com amigos, familiares e parceiros amorosos tendiam a viver mais e relataram maior felicidade ao longo da vida. Esse estudo também revelou que o contrário é verdadeiro: relações tóxicas aumentam o estresse e podem impactar negativamente a saúde mental e física.

Nossa predisposição pela busca do outro como uma fonte segura de afeto não é apenas uma massagem do ego, mas uma reação químico-biológica. Está ligada, penso eu, à herança genética ancestral, quando éramos uma espécie coletora e nômade e precisávamos do outro para aumentar nossas chances de sobrevivência. Portanto, mesmo que hoje os perigos não sejam tão dramáticos e evidentes como na época das cavernas, ainda assim, estar conectado significa segurança e longevidade.

O AMOR RACIONAL É UMA CHATICE

A imagem de um amor cuja racionalidade se mantém intacta é muito menos sedutora do que as manifestações viscerais de uma paixão arrebatadora ou até mesmo as catástrofes baseadas em crimes de amor.

Há algo de atrativo em tudo aquilo que nos tira do “eixo”, como se fosse um resgate da chatice que é viver a monotonia da vida cotidiana, cheia de responsabilidades e metas a cumprir, com suas normas talhadas em pedra. O afeto projetado nas artes é muito parecido com a descrição dos efeitos de uma droga alucinógena em nosso organismo: nos retira nossas defesas, nos tira o controle e parece terceirizar nossa responsabilidade por construir nossa felicidade.

Tenho a impressão de que, quando a gente suspira no final de um filme sobre uma história de amor, é, na verdade, nosso cérebro nos trazendo à realidade, nos resgatando desse mar imaginativo e entorpecente.

A linha que separa o amor verdadeiro da dependência emocional é muito tênue e, infelizmente, não há outra maneira de traçá-la sem cometer alguns erros, passar por frustrações e até mesmo enfrentar alguns traumas. O primeiro passo é definir, em nossa mente, o que consideramos imaginação e realidade, sem deixar de viver a vida segundo nossas próprias escolhas e, naturalmente, as consequências que elas desencadeiam.

Isso é simples? Não. É fácil? Também não. É seguro? Tampouco. Mas, quando experimentamos estar diante de algo que resulta dessa construção, alcançamos a grandeza de nos deixar ser afetados pelo tipo de amor que precede todos os outros: o amor-próprio.

Não perca nossas novidades!

Não fazemos spam! Leia nossa política de privacidade para mais informações.

Visited 11 times, 1 visit(s) today

Last modified: 08/04/2025

Close

Olá Aortano👋,
que bom te ver por aqui.

Inscreva-se e receba em primeira mão a nossa newsletters.

Não fazemos spam! Leia nossa política de privacidade para mais informações.