Por Olga Pessoa

CONHECI o trabalho de Jorge Washington no Bando de Teatro Olodum e desde então entendi que algumas pessoas não apenas vivem da arte, elas a transformam em modo de existir. Jorge é um desses seres raros: um homem negro que fez do palco, da cozinha e da coletividade os lugares onde sua história se ergue com dignidade, humor e resistência.
Filho da Liberdade, bairro que pulsa ancestralidade, Jorge carrega consigo as marcas da coletividade e da luta. Cresceu cercado de histórias contadas nas esquinas, de tambores que ecoavam sabedoria e de vozes que o ensinaram a não se curvar. Quando subiu ao palco pela primeira vez, não buscava apenas aplauso, buscava voz. E a encontrou.
No Bando de Teatro Olodum, grupo que revolucionou a cena baiana ao colocar o corpo negro no centro da narrativa, Jorge firmou-se como ator, diretor e militante. Seu trabalho sempre foi além da performance: é pedagogia, é denúncia, é celebração. Cada personagem interpretado por ele é também uma homenagem a quem veio antes, uma afirmação de que a presença negra é central, viva e incontornável.
A inquietação criativa de Jorge o levou também para o cinema, onde construiu uma trajetória sólida e respeitada. No audiovisual, participou de produções que retratam a diversidade e a força da cultura afro-baiana, com atuações marcantes em filmes e séries que atravessam fronteiras e reafirmam o poder das narrativas negras. Mais recentemente, tem se destacado também como diretor, expandindo seu olhar artístico para além da atuação, conduzindo projetos que unem arte, memória e identidade coletiva.
Desse transbordamento nasceu o Culinária Musical, projeto que une comida, música e ancestralidade em uma experiência coletiva única. Costumo dizer que o Culinária Musical é a melhor festa da cidade, e é mesmo. Dos artistas à plateia, encontramos pessoas potentes, diversas e afetuosas, todas movidas pelo desejo comum de partilhar. Porque o Culinária Musical não é só uma festa: é uma celebração ancestral, onde cada encontro é uma revolução.
Entre uma receita e outra, Jorge conduz o público com a mesma alegria com que entra em cena. Ali, ele cozinha memórias, tempera saberes e alimenta corpos e consciências. O tempero é baiano, o gesto é político e o resultado é pura comunhão.
Em sua trajetória mais recente, Jorge mergulhou no projeto “Vozes da Feira”, obra que dá protagonismo a personagens invisibilizados do cotidiano, revelando a riqueza humana, cultural e simbólica das feiras livres de Salvador. Como ator e diretor, ele transforma o olhar do público, fazendo da câmera uma extensão do mesmo compromisso que o move no palco: dar visibilidade às histórias que sustentam a cidade.
Com simplicidade e firmeza, Jorge segue fazendo da arte um instrumento de libertação. Homem negro que venceu as ausências impostas e construiu presença por direito, ele inspira novas gerações a ocuparem seus espaços no teatro, no cinema, nas cozinhas, nas ruas e nos sonhos.
Generoso, inquieto, múltiplo: Jorge é aquele que aproxima, que soma, que acredita que o coletivo é sempre maior. Sua caminhada é exemplo de coerência e amor à comunidade, à cultura e à ancestralidade que o molda e o move.
Hoje, celebramos mais do que o aniversário de um artista. Celebramos um homem que compreendeu que arte é cura, comida é memória e partilhar é revolução.
Parabéns, Jorge Washington. A Revista Aorta celebra sua vida e sua carreira!
Que nunca falte palco, arte e povo à sua volta, porque o que você faz é mais que arte: é herança viva.
Arte CULTURA Literatura Livros poema
Last modified: 31/10/2025
 
            
        




















