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Como conquistar leitores em tempos de vício nas telas

Por: Yara Fers

Os resultados da pesquisa Retratos da Leitura 2024 trouxeram um dado alarmante: 53% dos brasileiros não leem livros. Pela primeira vez, o número de não leitores ultrapassou o de leitores no país. Este dado, que deveria soar como um sinal de alerta, não é isolado; é acompanhado por uma realidade que escancara as prioridades de consumo de tempo no Brasil (e no mundo) e reflete a complexidade do desafio de formar uma população leitora.

Quando perguntadas sobre como utilizam o tempo livre, 78% das pessoas relataram usar a Internet, enquanto 71% destacaram o uso do WhatsApp. Apenas 20% disseram optar pela leitura. Além disso, entre os que não leram um livro nos últimos três meses, as justificativas variaram: 33% apontaram falta de tempo, 32% disseram que simplesmente não gostam de ler, 13% não têm paciência, e 12% preferem outras atividades. Curiosamente, as razões econômicas, como o preço dos livros ou a falta de dinheiro, representaram apenas 1% cada das respostas, desafiando a ideia de que o custo seja o maior entrave à leitura no Brasil.

Esses números revelam um problema central do nosso tempo: a disputa pela atenção. Em um mundo dominado pelas telas e pelas redes sociais, onde tudo parece acontecer em tempo real e onde cada segundo parece precioso, dedicar-se a algo que exige um ritmo mais lento, como a leitura, tornou-se uma escolha menos óbvia. Ainda assim, um dado positivo surge: 75% das pessoas disseram que gostariam de ter lido mais. Esse desejo reprimido sugere que a leitura precisa se apresentar de forma mais convidativa, acessível e alinhada aos hábitos contemporâneos.

O desafio: Como tornar a leitura prazerosa?

O primeiro passo para reverter o quadro é compreender que o ato de ler não compete apenas com outras atividades, mas também com a forma como essas atividades capturam o interesse. A internet, os aplicativos e as redes sociais oferecem doses constantes de dopamina, criadas por interações rápidas e gratificações instantâneas. Tudo é muito veloz. O livro, por sua natureza, pede atenção prolongada e imaginação ativa. Como, então, torná-lo tão sedutor quanto uma notificação no celular?

Plataformas como Wattpad, Substack e Medium já atraem leitores com conteúdos literários fragmentados e personalizados. Diversos autores e autoras têm usado o whatpad ou newsletters do substack para trazer histórias que as pessoas consomem por partes, capítulo por capítulo, a exemplo dos antigos folhetins. Ou mesmo textos curtos, sem continuação, como contos, crônicas, que em poucos minutos trazem uma literatura que faz refletir, emocionar, entrar em outra realidade.

Na poesia, cresce o movimento pelo texto minimalista, que cabe em um post de instagram, ou um vídeo de poucos segundos. Podcasts literários reconstroem o formato dos rádios e trazem para o áudio conteúdos e recomendações literárias. Enquanto isso, e-books e audiobooks oferecem livros inteiros em formatos flexíveis para uma rotina acelerada.

Eu, particularmente, sou adepta de livros físicos, inclusive sou fã dos artesanais. Sou uma pessoa analógica, uma escritora que faz seus livros de forma manuscrita em cadernos de papel. Mas todos esses dados me fazem refletir sobre o papel dessas ferramentas digitais para trazer as pessoas para os livros e para a literatura. Elas podem ser aliadas na formação de novos leitores, têm potencial para funcionar como portas de entrada, especialmente para os mais jovens, que buscam experiências acessíveis.

O mundo presencial

A pesquisa também mostrou que mães e professores cumprem um papel fundamental na formação de leitores, e que o público mais leitor do país ainda é na faixa etária infantil.

Os eventos e feiras literárias também têm crescido: todos os dados sobre vendas e número de participantes em bienais e festas literárias mostram crescimento. Ao mesmo tempo, surge nas cidades, particularmente em suas periferias, o movimento poético do slam, que trazem corpos e vozes historicamente marginalizados para uma literatura viva e diversa.

Essa movimentação que vem das escolas, bibliotecas, projetos culturais, saraus, slams e eventos presenciais também mostra um público que está fora das redes, que busca sair um pouco da velocidade e do vício das telas. Pode ser um público minoritário. Mas são essas pessoas que também vão influenciar as outras, não é?

Qual o nosso papel?

Reverter a crise de leitura no Brasil não é responsabilidade exclusiva de um agente ou outro. É uma tarefa que precisa mobilizar todos os setores da sociedade. Escritores, editoras, influencers digitais, instituições culturais e cada um de nós têm um papel a desempenhar. E também é preciso ter políticas públicas efetivas e grandiosas (inclusive nas verbas) para reverter esse quadro.

Promover a leitura significa apresentá-la não apenas como um dever ou uma obrigação escolar, mas como um prazer e uma ferramenta poderosa para o desenvolvimento pessoal. Ações como doações de livros, projetos em comunidades periféricas e clubes de leitura podem ajudar a criar uma cultura que valorize o livro em suas diversas formas. Dar livros de presente, indicar leituras para os amigos, ler em locais públicos mostrando como esse hábito é prazeroso, são ações que cada pessoa pode fazer e que influencia quem está ao seu redor.

O caminho é longo, mas a pesquisa também traz esperança. Se 75% das pessoas gostariam de ler mais, o potencial de transformação está aí. Cabe a nós, enquanto sociedade, descobrir como agir para mudar essa realidade. E isso começa por uma pergunta simples, mas poderosa: o que estamos fazendo, hoje, para que o Brasil leia mais amanhã?

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Last modified: 25/11/2024

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