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Uma canção longínqua em celebração da Língua Portuguesa

A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) tem celebrado o Dia Mundial da Língua Portuguesa, desde 2019, na data do dia 5 de maio.

por Lívia Mendes Pereira

A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) tem celebrado o Dia Mundial da Língua Portuguesa, desde 2019, na data do dia 5 de maio. Atualmente, com quase 270 milhões de falantes, a língua portuguesa representa um canal importante de comunicação mundial, de forte projeção geográfica, espalhada por todos os continentes e reúne em si a identidade e a cultura de diferentes povos. 

Portugal, Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste coexistem no uso de uma língua comum, entre povos de diferentes origens geográficas, transmitindo entre si e entre outros o patrimônio cultural imaterial que a língua materna contém, na expressão de tradições orais, canções e rituais. Porém, essa língua em comum não é idêntica para todos. Sempre que pensamos em línguas vivas, pensamos em transformação. 

“Toda língua inevitavelmente passa por transformações, é um corpo espelhado pelo mundo”, disse José Saramago em depoimento para o documentário Línguas, vidas em português, filme que mostra as diferentes maneiras dos falares da lusofonia. O autor, dono do único Prêmio Nobel de Literatura em língua portuguesa, concluiu: “não há uma língua portuguesa, há línguas em português”. 

No livro Latim em pó, Caetano Galindo chama a atenção para a variabilidade linguística que tem seu retrato mais fiel no fato de que cada pessoa fala sua própria “versão singular do idioma”, o idioleto de cada um. Se mulheres e homens, idosos e crianças, adolescentes e trabalhadores falam diferentes línguas em um único idioma, entender a diversidade cultural entre grupos de identidades plurais é essencial para uma interação harmoniosa. É preciso não se esquecer das raízes identitárias, como no Brasil, as indígenas e as africanas, que também fazem parte da preservação dessa identidade. 

Mia Couto, importante escritor moçambicano, já nos alertou: “a nossa língua comum foi construída por laços antigos, tão antigos que por vezes lhes perdemos o rastro”. Quando pedimos um dengo em dias que ficamos jururu de saudade estamos selecionando nossas origens banto, tupi e latina, respectivamente, em uma única sentença, que, emprestando a imagem saramaguiana, espelha nossa forma de expressarmos no mundo.  Celebrar a língua portuguesa está longe de ser apenas a celebração de uma língua vernácula – característica de um país ou uma região. Essa é, e deveria sempre ser, a verdadeira celebração de um “invernáculo”, recuperando o termo cunhado pelo poeta brasileiro e curitibano Paulo Leminski, em poema do livro Ex-estranho (1996). A celebração de um “não-vernáculo”, uma língua que não é somente nossa, que “trava uma canção longínqua”, de mentiras e verdades sentidas, além da palavra.

Invernáculo

Esta língua não é minha,
qualquer um percebe.
Quando o sentido caminha,
a palavra permanece.
Quem sabe mal digo mentiras,
vai ver que só minto verdades.
Assim me falo, eu, mínima,
quem sabe, eu sinto, mal sabe.
Esta não é minha língua.
A língua que eu falo trava
uma canção longínqua,
a voz, além, nem palavra.
O dialeto que se usa
à margem esquerda da frase,
eis a fala que me lusa,
eu, meio, eu dentro, eu, quase.

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Last modified: 13/08/2024

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