Por: Joana Pereira
Tenho muita fome. Dizem que o nosso corpo confunde fome com sede. Será que tenho sede? À procura de um copo de água, palpo a mesinha de cabeceira, não está lá. Que raio! Palpo do outro lado, também não está lá. Estou deitado, ainda com a camisa que usei no dia anterior, sinto-lhe os botões na barriga, mas não estou na cama. Abro os olhos, confuso e preocupado, onde raios estou?
Custava-me encarar o sol, era brilhante e tão quente que secava a saliva toda que pudesse existir na boca.
Tenho fome. A minha mãe costumava fazer-me um bitoque com ovo a cavalo, que chegou a ser dos meus pratos preferidos. Um certo dia, estava ela descontraída no seu emprego, recebe uma chamada do diretor da minha escola, a dizer que tinha pegado fogo à secretaria onde me sentava. Nesse dia, cheguei a casa e a minha mãe, que já tinha a refeição pronta, perguntou-me furiosa, com a sua voz esganiçada como as das hienas quando riem alto, o que tinha na cabeça para pegar fogo à secretária, que era perigoso. E assim que encolhi os ombros, por não ter resposta para tamanha estupidez, o ovo que era supostamente a cavalo, levei com ele na tromba.
Mas eu tenho fome e este prado onde estou, cheio de espigas e milho a saltar as barbas, nada tem que me apetece comer. A minha boca parece um cinzeiro, tantos foram os cigarros que fumei ontem. Joguei às cartas com o meu primo, como vim aqui parar? Rafael, o meu primo, adora uma boa suecada e mulheres. Tanto que já lançou o charme para cima da minha. Não levei a peito, mas agora que aqui estou sem saber como, paira-me no pensamento que talvez me tenha embebedado para se enrolar com a Marisa. Imagino-lhe os gemidos, os balanços das ancas, sempre me deixou louco toda aquela sensualidade crioula.
Nem uma toalha me deixou, o meu primo, tenho o corpo mesmo em cima destas espigas que me dão comichão!
Visualizo o horizonte vestido de nevoeiro, devo estar para trás dos montes do flaminguito, aquele rapaz dos negócios de chapeleiras. Muito dinheiro faz o rapaz! Eu comprei-lhe dois chapéus, uma vez. Um ofereci-o à Marisa, em caracol, com uma flor rosa e uma fita bege, ficou radiante e sempre o usara na praia do Alvor, com todas as estrangeiras a mirá-la. O outro foi para a Maria Helena, a pequena pediu-me um chapéu de fita amarela com várias flores coloridas, como a alma dela – colorida. Agora que pensava nela, enchiam-me os olhos de lágrimas. Saudade. Onde anda a minha menina? Agora, nos seus dezoitos anos de juventude, enamora-se com uma facilidade louca!
Sou velho e perco-me nos mil e um pensamentos… como vim aqui parar? Levanto-me com dificuldade, quem diria que já fui maratonista de medalha de bronze. Endireito as costas.
— Está aqui! Estás aqui! Vês o que acontece quando te deixo sozinho?— oiço ao fundo, uma voz familiar a aproximar-se. É bonitinha, com um sorriso primaveril. Como não sei quem é, dou-lhe um olá tímido, ela abraça-me, parece preocupada comigo. Traz um chapéu florido, de fita amarela. Sorriu-lhe, sei a origem daquele chapéu, por isso devo estar perto de casa.
— Vamos, pai!
Last modified: 02/10/2024