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A casa dos homens no mercado literário: uma reflexão necessária

Por Yara Fers

Recentemente, a escritora Vanessa Bárbara trouxe à tona, em um episódio da Rádio Novelo, a experiência de um relacionamento abusivo que viveu e a descoberta de um grupo de homens influentes no meio literário e jornalístico que compartilhava mensagens misóginas. Essa revelação trouxe para o debate não apenas um caso isolado de misoginia, mas uma dinâmica estruturante que rege a sociedade e, por consequência, o mercado literário.

Muitos são os relatos de grupos fechados de homens que trocam comentários, piadas, informações e ofensas sobre mulheres, pornografias, se protegem em casos de adultério, entre outras atrocidades. É a chamada casa dos homens, onde eles se sentem seguros para se comportarem de forma tóxica e machista.

O que causou espanto nesse caso foi que essa ‘casa’ específica era um grupo formado por homens progressistas, vistos como aliados em causas feministas e de direitos humanos de forma geral. São escritores, editores e jornalistas importantes e reconhecidos.

Há defesas de que isso foi há muitos anos, que todos evoluíram. Será? Se evoluíram, o mínimo que deveriam fazer é um pedido sincero de desculpas, sem nenhum “mas” que responsabilize a vítima. Porque um trauma não se apaga em 14 anos.

Mas, saindo do caso específico e usando-o para refletir sobre o mercado literário, vemos que a camarilha masculina não se restringe a este (ou outro) grupo fechado de e-mail ou whatsapp. A casa dos homens é um pouco mais ampla, é estrutural.

Os homens, que ocupam cargos estratégicos em editoras, jurados de prêmios e curadores de eventos literários, são também, em sua maioria, aqueles que decidem o que é ou não relevante na literatura. Infelizmente ainda é uma maioria masculina que decide quem deve vencer um prêmio, publicar em uma grande editora ou estar em mesas importantes. E quando decidem, favorecem, majoritariamente, seus colegas homens. Forma-se uma espécie de camarilha implícita, uma casa invisível.

Não significa que isso seja uma operação consciente e maquiavélica por parte deles, muito pelo contrário. Os homens mais influentes do mercado não precisam “tramar” a exclusão das mulheres. Porque elas historicamente já estão excluídas dos espaços. Basta que não façam nada, que sigam o fluxo.

O silêncio ensurdecedor da maioria dos homens do meio literário diante da denúncia de Vanessa evidencia esse pacto implícito. Enquanto dezenas de mulheres vieram a público com mensagens de solidariedade e reflexões, os homens mantiveram-se, em sua maioria, ausentes ou calados. Não por acaso. Para muitos, o machismo é algo que não lhes diz respeito. Está no código não escrito dessa casa: proteger uns aos outros e perpetuar as dinâmicas de poder que lhes favorecem.

Isso também fica evidente quando analisamos referências literárias. Em entrevistas, escritores homens raramente citam mulheres como influências. Suas listas de autores favoritos quase sempre são compostas por outros homens. Em contrapartida, as mulheres, tanto como leitoras quanto como escritoras, têm ampliado o diálogo entre si, lendo, recomendando e sendo inspiradas por outras mulheres.

Embora as mulheres tenham conquistado mais espaço no mercado literário nos últimos anos, esse avanço é fruto de suas próprias iniciativas. São elas que formam coletivos, promovem debates, e ocupam as redes para divulgar suas obras. Os homens, porém, continuam a se beneficiar de estruturas que, consciente ou inconscientemente, os favorecem.

A casa dos homens não é apenas um conceito metafórico. Ela está presente nas decisões de quem é publicado, premiado ou convidado para eventos. É uma construção social que fortalece relações de poder masculinas em detrimento da diversidade.

Como romper com essa estrutura?

Não vamos chegar a lugar algum se apenas olharmos para os casos individuais como fofoca. Mudanças reais nessa estrutura requerem um olhar coletivo e global, além de propostas concretas.

Em primeiro lugar, é fundamental que as mulheres continuem a se fortalecer e a construir redes de apoio. Não ganhamos nada se perpetuarmos uma visão competitiva entre nós. Coletivos literários e iniciativas que promovam a inclusão precisam ser valorizados. Aquela que alcança um lugar de destaque deve olhar para trás e erguer as outras. Indicar livros de outras autoras, nomear mulheres para cargos, prêmios e eventos é um ato de resistência.

Além disso, editoras precisam adotar políticas concretas para promover a diversidade. Isso inclui colocar mulheres em posições estratégicas, abrir chamadas de originais voltadas para mulheres, especialmente as de diferentes regiões do país, negras e LGBTs. Apenas assim o mercado começará a refletir a pluralidade da sociedade.

Homens que se consideram aliados também precisam agir. É preciso que usem seu lugar de privilégio, que questionem colegas que perpetuam a cultura da casa dos homens, denunciem comportamentos abusivos e utilizem seus espaços de poder para promover mudanças reais. Atitudes concretas, como incluir mulheres em referências literárias, apoiar suas obras e falar publicamente sobre questões estruturais, são essenciais.

O apoio e solidariedade a Vanessa Bárbara são de grande importância. Mas casos como esse devem servir também como pontos de inflexão para que repensemos as estruturas do mercado literário e proponhamos transformações concretas. O problema é estrutural, e a solução também precisa ser.

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Last modified: 27/01/2025

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