Por: Joana Pereira, autora do blog “Tem juízo, Joana!”
Não existe nada mais misterioso do que um livro por ler em cima de uma mesinha de cabeceira, numa prateleira ou na mochila. Há algo mágico na quietude de uma estante, onde os livros repousam pacientemente à espera de umas mãos curiosas que os leiam.
Uma prateleira cheia de livros a acumular poeira e promessas de histórias que ainda não se misturaram no nosso tempo e memória, a exalarem uma espécie de energia silenciosa. Cada capa fechada guarda segredos e as lombadas a adornarem o ambiente carregam títulos que outrora alguém pensou.
Na prática, são volumes que compramos com entusiasmo, movidos talvez por uma sinopse convincente, uma capa interessante, ou o sonho de ter mais tempo e disciplina para ler. No entanto, eles acabam por ficar para depois, subterrados pelo ritmo do dia a dia. Tornam-se testemunhas dos nossos hábitos, prioridades e pequenas frustrações. É fácil convencer-nos de que um dia teremos uma fase mais tranquila, com horas livres para mergulhar neles.
O encanto dos livros não lidos começa na expectativa. A expectativa de finalmente ter tempo para eles e a relativa ao que nos vai contar. Há um fascínio por cada história ainda não aberta: que florestas leva dentro? Que cidades, personagens por conhecer? O que nos vai contar? Ou até descobrir sobre nós mesmos? Nesta paciência infinita, um livro fechado sussurra no silêncio mudo: “um dia, talvez.” Até lá, permanecem vastos como o horizonte, perfeitos e intocados. Livres de interpretação ou análise de alguém.
Há uma beleza estranha nesse estado de possibilidade absoluta, em que todas as histórias ainda podem ser contadas, de todas as maneiras possíveis. Talvez por isso, quando compramos um livro e o deixamos na estante, haja um prazer quase ritual. Nós observamo-lo, tocamos a capa, lemos a contracapa, cheiramos as folhas como quem cheira um perfume clássico. E, depois, devolvemo-lo ao seu lugar, não por descaso, mas como quem adia um encontro aguardado, por saber que certos amores crescem melhor na espera.
Quem coleciona livros sabe bem que o prazer nem sempre está na leitura em si, mas na possibilidade de ler. É um consolo saber que aquelas histórias continuam por ali, como amigos que ainda não conhecemos.
O livro não lido é, de certo modo, uma promessa para o futuro. É o sinal silencioso de que temos ainda espaço para mistérios, para descobertas que aguardam a sua vez.
E, no fim, não é isso que queremos? Que haja sempre um último livro por abrir? Na biblioteca dos não lidos, somos eternamente exploradores, suspensos entre o que sabemos e o que ainda nos espera, navegantes de páginas fechadas que prometem, sempre, o indizível.
Que o encanto dos livros não lidos permaneça, até ao dia em que, finalmente, decidirmos abrir uma nova página e percebermos o quão vivos esses livros estão.
Last modified: 14/11/2024